AS CONSEQUÊNCIAS DA POLÍTICA EXTERNA E INTERNA DE ERDOGAN

, by Mafalda Garcia

AS CONSEQUÊNCIAS DA POLÍTICA EXTERNA E INTERNA DE ERDOGAN
Hagia Sophia - A.Savin (WikiCommons), FAL, via Wikimedia Commons

Atatürk fundou a República da Turquia em 1923 tendo por base o secularismo e o sistema político europeu. O pai dos turcos elegeu Ancara como capital, renunciando assim ao passado otomano e abraçando a Europa. A religião foi relegada para a esfera privada e Hagia Sophia convertida num museu, emancipou as mulheres turcas, regeu-se por códigos legais ocidentais, criou a língua turca com base no alfabeto latino, e seguiu uma política de neutralidade e de relações amigáveis com os seus vizinhos. Erdogan simboliza a reversão de tudo o que Atatürk preconizou. Desde 2003, anulou os poderes dos militares, reescreveu a constituição e alterou significativamente a forma de fazer política externa do país.

O rumo estava traçado desde 1997, aquando da sua prisão por num comício citar parte de um poema que continha as seguintes linhas: ’Os minaretes são as nossas baionetas, as mesquitas são o nosso quartel, os crentes são os nossos soldados’. Em suma, o caminho europeísta e secular de Atatürk deu lugar a um recentrar religioso, num desejo de reconquista nostálgica da influência de um Império perdido e o objetivo último de afirmação de superpotência mundial do povo muçulmano.

Em 2013, surgem os primeiros indícios de que algo não está bem, as manifestações ambientalistas de Gezi Park, rapidamente se transformam numa oposição política a Erdogan e ao uso da força por parte da polícia. Em 2015, em plena crise dos refugiados, deu-se um estreitar das relações UE-Turquia, por força de uma necessidade europeia que deixou a UE à mercê da arbitrariedade e chantagem. Em contrapartida, Ancara conseguiu o relançamento das negociações de adesão à EU, assinado a 18 de Novembro. Em 2016, ocorreu a tentativa de golpe de Estado por parte das Forças Armadas, que falhou. As consequências foram uma purga em todos os sectores e com consequências gravíssimas para a esfera militar e para a relação com a NATO. Em 2017, Erdogan leva a cabo um referendo constitucional que lhe permite expandir o mandato por mais dois ciclos eleitorais, e que o poderia manter em funções até 2029, com a substituição do sistema parlamentar por uma presidência executiva acumulando as funções de Chefe de Estado, líder do AKP, chefe da polícia e das Forças Armadas turcas. O sim ganhou com uma margem mínima de 51% contra 48%, tendo as cidades de Istambul, Ancara e Izmir votado contra. Em Março de 2019, após seis anos de construção, a Mesquita de Camlica abre à oração, projeto megalómano de Erdogan, que compete em número de minaretes com a Mesquita Azul e marca a ascensão de um ‘novo sultão’. Em Julho de 2020, reverteu a decisão de Atatürk sobre Hagia Sophia tornando-a numa Mesquita e mencionando a promessa do Sultão Mehmet de que esta serviria para sempre de Mesquita após a conquista da Capital Bizantina, em 1453. Em Março de 2021, anuncia a retirada da Turquia da Convenção de Istambul que protege as mulheres contra a violência e em Outubro desse ano a Turquia ratifica finalmente, o Acordo de Paris após lhe ter sido oferecido apoio financeiro por parte da França e Alemanha, bem como de dois Bancos de Investimento.

Alguns dados a ter em conta

Numa comparação entre os dados do The German Marshall Fund of The United States – Turkish Perceptions Survey - de 2015 e 2021 constatamos algumas mudanças. Em 2015, 55,1% dos turcos consideravam que a Turquia não estava a seguir o rumo certo e 50,7% desaprovava a forma como o Governo atuava na política internacional. É importante referir que 50.6% era contra as relações estabelecidas com a Rússia e 56,2% desaprovava uma aproximação aos seus países vizinhos. Entre os países com maior taxa de desaprovação na opinião pública turca constam a França (73.3%), a Rússia (68,4%), o Irão (70.8%) e a China (78%). Quanto à forma de atuação da Turquia em política externa, os turcos preferiam a seguinte ordem: agir sozinho, com a UE, com os EUA, com o Médio Oriente e por último com a Rússia. Existe igualmente, uma enorme descrença nas principais organizações e instituições internacionais com 58.4% a dizer que não confia na NATO, 60.1% não confia na ONU, e 55,2% na UE. Em 2021, os dados alteram-se e surgem novos parceiros geográficos e estratégicos. A Rússia surge como um dos principais parceiros, e os EUA como a maior ameaça aos interesses turcos (60,6%). No que respeita à cooperação internacional, 37% prefere cooperar com a UE, 14,7% com a Rússia, 15,9% prefere que a Turquia aja sozinha, 9,1% com os EUA, e 6.5% com a China. A UE surge igualmente, como o parceiro com maiores condições de resolver os problemas mundiais com 35,8%, seguida dos EUA com apenas 12,9%. Quanto ao papel que a liderança turca deve desempenhar, 30.9% acha que pode ser mais eficiente no Médio Oriente, nos Balcãs e no Norte de África, ao passo que 67,2% pensa que é necessário lidar primeiro com os problemas internos. Quanto ao apoio à adesão da Turquia à União Europeia é ainda muito elevado e mais elevado nas camadas jovens, 55.9% dos turcos considera a adesão algo positivo, nas camadas mais jovens a percentagem ascende aos 66.2%. Quanto à opinião generalizada dos europeus, 59.6% tem uma opinião positiva, nas camadas jovens é de 72%. Os dados que melhor representam esta situação de ambivalência são os que se referem ao processo de adesão, com 21,5% a acharem que a Turquia seria membro se cumprisse os critérios de adesão; 22,9% consideram que a Turquia não está pronta para a adesão mesmo que a UE o desejasse; e 52,1% assumem que a UE nunca teve intenção de aceitar a Turquia como Estado Membro.

A economia turca em colapso

A Turquia atravessa uma Crise económica fortíssima, iniciada em 2018. A subida da inflação aliada à desvalorização da lira turca; a taxa de desemprego a rondar os 13%; uma dívida externa alta, da qual 80% está nas mãos de europeus, e reservas cambiais baixas, a que acresce a situação pandémica, fazem com que os analistas considerem que o maior problema de Erdogan, neste momento, é precisamente a situação económica, que anos antes era o seu maior trunfo. A Lira perdeu 40% do seu valor face ao dólar, tornando-se a moeda com pior desempenho dos mercados emergentes, exigindo a intervenção do Banco Central Turco, que através da venda das reservas cambiais em dólares lhe tentou inverter a queda. Uma situação única em oito anos. Entre as causas para este colapso económico podemos apontar: a ingerência de Erdogan nas políticas do Banco Central, que levaram já à demissão de três governadores, demonstrando a perda de independência deste e fazendo soar o alarme nos investidores estrangeiros; a política económica seguida por Erdogan e que consiste em baixar as taxas de juro como forma de combater a inflação, ao contrário do que está a ser adotado noutros países, tem-se tornado danosa. Segundo Erdogan a inflação acabará por descer e as taxas de juros baixas permitirão à Turquia ser mais competitiva internacionalmente, aumentando as suas exportações e encorajando o crescimento económico. Um dos problemas na escalada da inflação é o facto das cadeias de abastecimento estarem interrompidas e congestionadas, provocando a escassez de matéria-prima e pressionando os preços, outro é a forte dependência de investimento estrangeiro. Atualmente, a taxa de inflação anual no consumidor encontra-se em 20%, para os produtores os números são recordes, 50% e a taxa de juro de referência em 15%. A economia turca vinha de uma taxa de crescimento de 7.4% no terceiro trimestre e que tem sido comida pela inflação. O custo dos bens alimentares é incomportável para grande parte da população e muitos consideram mais rentável deixar os produtos em armazém. O desemprego aumentou significativamente e estima-se que um em cada cinco jovens esteja desempregado, os valores são ainda mais elevados entre as mulheres. O calcanhar de Aquiles nas próximas eleições de 2023, para Erdogan pode ser precisamente a crise económica, e o aumento de jovens votantes. De acordo com os sensos, mais 9 milhões de eleitores jovens poderão votar pela primeira vez.

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