Demissão do governo e nomeação para o Banco de Portugal
Desconhecido durante muito tempo em Portugal e no estrangeiro, Mário Centeno é economista e professor universitário. Em 2015, ingressou na política como ministro das Finanças do governo socialista de António Costa. Rapidamente, destacou-se pela sua capacidade em endireitar as contas do país, que foram fortemente afetadas pela crise da dívida pública. É por isso que o ex-ministro alemão das Finanças Wolfgang Schäuble o apelidou de «CR7 do Ecofin» em 2017. Meses depois, Centeno era escolhido para substituir o holandês Jeroen Dijsselbloem como presidente do Eurogrupo.
É no momento mais crítico - num contexto de crise económica causada pela pandemia do COVID-19 - que Mário Centeno decidiu deixar o cargo de Ministro das Finanças. A sua demissão decorreu no seguimento de uma controvérsia sobre a injeção de 850 milhões de euros no Novo Banco. Nascido do resgate do Banco Espírito Santo em 2014, o Novo Banco foi vendido em 2017 para a Lone Star. No contrato de venda, foi estipulado que o Fundo de Resolução bancário compensaria o banco pelas perdas de ativos através da injeção de capital. Como o Fundo de Resolução não tem o capital necessário à sua disposição, contrai empréstimos junto ao Estado Português. No entanto, essas injeções de dinheiro estão sujeitas a auditorias. A polêmica surgiu quando, frente à Assembleia Nacional, o Premiê refutou a alegação de que o Estado tinha injetado essa quantia sem esperar pelo relatório da auditoria. No entanto, Mário Centeno tinha de facto pedido a transferência de capital antes do relatório final da verificação, desacreditando o chefe de governo.
Um mês depois, Centeno apresentava a sua demissão mas alguns analistas já haviam antecipado a sua nomeação no Banco de Portugal há vários meses. De fato, o primeiro-ministro português não esperou mais de duas semanas para indicar o nome do ex-ministro das Finanças como governador. Este anúncio confirmou os rumores e criou uma onda de críticas e tensões no cenário político nacional.
Acusação de conflito de interesse e falta de integridade
Em fevereiro de 2020, enquanto vários rumores já circulavam sobre a possível sucessão de Carlos Costa por Mário Centeno na liderança do BdP, o presidente da associação Transparency International Portugal (TIAC), João Paulo Batalha, afirmou que uma possível nomeação de Centeno seria «um conflito de interesses inultrapassável». De acordo com a lei orgânica do Banco de Portugal, é o Ministro das Finanças que propõe um nome ao Conselho de Ministros. Este último designa-o via uma resolução após uma audição efetuada pela Assembleia Nacional.
Para evitar de nomear-se a si mesmo, Mário Centeno demitiu-se habilmente do cargo de ministro das Finanças para ser nomeado pelo seu sucessor – o seu ex-secretário de Estado do Orçamento, João Leão. Além da falta de integridade de sua nomeação, o seu mandato será marcado por um contínuo conflito de interesses.
O Banco de Portugal é uma instituição reguladora independente. E, segundo o seu Código de Conduta, João Paulo Batalha explica: “É evidente que Mário Centeno tem um interesse pessoal, em resultado da sua anterior ocupação profissional, nas decisões mais relevantes que o Banco de Portugal terá de tomar em matéria em matéria de supervisão e resolução, dado que tem sido um ator crucial em todos os processos de resolução dos últimos mais de quatro anos. Em cumprimento do Código de Conduta, o governador Mário Centeno teria de escusar-se a participar nas mais relevantes e consequentes decisões do Banco de Portugal, o que o tornaria num regulador inútil ”.
Tentativas de impedir a nomeação de Mário Centeno
Mário Centeno finalmente conseguiu assumir o cargo de governador após a sua audição parlamentar com a Comissão de Orçamento e Finanças, apesar dos votos contra da extrema-esquerda (Bloco de Esquerda), dos liberais (Iniciativa Liberal), dos conservadores (CDS) e dos ecologistas e animalistas (PAN). Somente os deputados socialistas votaram favoravelmente o relatório de auditoria, com a abstenção dos centristas e comunistas. Observa-se que a audiência é uma mera formalidade no processo de nomeação do governador, pois não é vinculativa.
Diante do escândalo que representa esta designação, o partido PAN apresentou em junho um projeto de lei - que foi aprovado na sua generalidade pela Assembleia Nacional - cujo objetivo era modificar as regras para a nomeação do governador e dos membros da administração do Banco de Portugal, impondo um período de incompatibilidade de cinco anos para aqueles que ocuparam um cargo no governo. No entanto, este projeto de lei ainda não conseguiu entrar em vigor porque é necessário um parecer do BCE.
Uma última tentativa de obstar a nomeação de Centeno foi o anúncio de uma providência cautelar do partido Iniciativa Liberal. Suspeitando de «negociações nos bastidores» para explicar a mudança de posição de alguns partidos - nomeadamente a abstenção dos centristas quando, de início, opunham-se à nomeação de Centeno - o presidente do partido liberal João Cotrim de Figueiredo explica que "dada a insatisfação com o processo legislativo, vamos interpor uma providência cautelar para que a nomeação não ocorra antes de terminar o processo legislativo”.
No entanto, a providência cautelar foi recusada pelo Supremo Tribunal Administrativo (STA), explicando que não era competente para avaliar um «ato político». Perante esta resposta, o partido manifestou preocupação: “Continuamos a entender que as decisões políticas numa democracia têm de respeitar a Lei e que nesta nomeação há incumprimento da Lei Orgânica do Banco de Portugal. Por isso, deixamos a pergunta: a quem pode um cidadão recorrer se considerar um ato político ilegal?".
Moral da história: em Portugal, país de origem do melhor jogador de futebol do mundo, o Cristiano Ronaldo, é possível na política que um treinador se torne um árbitro no meio de um jogo e que isso não choca ninguém.
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